segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Piedade ortodoxa siríaca: o uso da barba

O ser humano é simbólico por excelência. Através de gestos, objetos e atitudes a humanidade sempre buscou expressar suas crenças e vontades, de modo a caracterizar-se e expressar-se da melhor forma possível. Também no cristianismo, desde a constituição da Igreja Primitiva, desenvolveram-se uma série de elementos simbólicos, ora provenientes da própria tradição judaica, ora nascidas das necessidades encontradas pelos apóstolos e santos no anuncio do Santo Evangelho e na celebração dos Sacramentos. 

Todo símbolo visa ligar-nos a algo, ou seja, é a expressão visível de uma realidade invisível, porém não menos real pelo fato de ser “invisível”. Um casal, ao contrair o sacramento do matrimônio, por exemplo, utiliza cada um uma aliança como sinal (símbolo) não só o do amor que sentem um pelo outro (e que é invisível!), mas também do compromisso que fizeram diante da sociedade e da Igreja. 


Dentre os elementos simbólicos que mais chama a atenção em nossa tradição ortodoxa siríaca, temos o uso da barba pelo clero, desde diáconos aos bispos. A tradição de manter a barba longa possui embasamento bíblico e teológico forte, além é claro, de ser um importante e visível sinal de piedade por parte do sacerdote que, ao mantê-la longa, demonstra sua ortodoxia de fé e comunhão com a tradição de toda Igreja.

Ícone do Concílio de Nicéia I
A iconografia cristã sempre apresentou tanto Cristo quanto os apóstolos usando barba, bem como todos os santos e mártires. Logo, é a Tradição da Santa Igreja que nos ensina que, assim como Cristo e seus fiéis servos, todo sacerdote deve manter a barba longa. Contudo, com o crescimento da Igreja na diáspora, sobretudo no ocidente, desenvolveu-se a idéia errada e, portanto, heterodoxa, que o uso da barba por parte do clero seria algo facultativo ou um mero costume oriental, ou, ainda, algo reservado somente ao clero monástico. 

Pura mentira ou, no mínimo, falta de entendimento do que é ser de fato ortodoxo!

Monges ortodoxos siríacos
Quando um sacerdote celebra a Santa Qurbana (Divina Liturgia ou Santa Missa), ele é para nós como o próprio Cristo. A liturgia está estruturada sobre o sacerdócio que Cristo realizou e deu àqueles que Ele ordenou, através dos legítimos sucessores dos apóstolos, os bispos. O celebrante é, assim, um lembrete (sinal ou símbolo) para nós do próprio Cristo, é um ícone vivo de Cristo, não só internamente, mas também em sua aparência externa, desde seus gestos e posturas, até no uso da barba, como é bem apresentado pela Tradição cristã.

Sacerdotes ortodoxos siríacos casados
O uso da barba é também sinal de rejeição ao mundo e, consequentemente, ao que é mundano. É uma resposta contrária à vaidade do homem que busca adequar-se à preceitos de estética mundana, buscando aprovação daquilo que não é de Deus, ou seja, a vaidade é a busca herética e obviamente heterodoxa de encontrar no mundo a felicidade ou a aprovação pessoal. O sacerdote ortodoxo sírio, seja ele monge ou casado, deve ser sinal à comunidade que a verdadeira felicidade só se encontra nas coisas do alto e isto se dá, tanto ao anunciar o Evangelho e celebrar os Santos Sacramentos, quanto em seu testemunho através de seus hábitos cotidianos e sua aparência. Não é a toa que a maioria dos ascetas são retratados nos ícones com longas barbas, justamente por essa razão.

Monge ortodoxo siríaco na Terra Santa
Um outro motivo, tão importante quanto os demais, é que os cristãos ortodoxos de tradição siríaca são os maiores herdeiros das tradições semitas. Os hebreus reverenciavam profundamente o uso da barba, como pode ser visto a partir de muitos exemplos nas Sagradas Escrituras: “Não cortareis o cabelo em redondo, nem rapareis a barba pelos lados” (Levítico 19:27). A barba também era usada pelos sacerdotes, como é possível comprovar através dos Salmos: “É como um óleo suave derramado sobre a fronte, e que desce para a barba, a barba de Aarão, para correr em seguida até a orla de seu manto” (Salmos 132/133:2).

Dom Moussa, Apóstolo do Brasil, fiel à Tradição
Obviamente, o crescimento da Igreja na diáspora, sobretudo no ocidente, fez com que muitos sacerdotes casados, mesmo que piedosos, encontrassem algumas barreiras para manter a Tradição de usar barbas longas, principalmente em seus locais de trabalho. Nesses casos, vale o bom senso. Mantêm-se o uso da barba, porém sempre aparada e curta. Mesmo no ocidente, são raríssimos os casos de rejeição de uma barba bem feita, haja visto que é um elemento natural do visual masculino que, assim como unhas e cabelos, por exemplo, devem estar sempre bem cuidados (e não arrancados!). Mesmo assim, sobretudo entre os sacerdotes, deve-se manter a convicção evangélica já alertada pelo próprio Cristo: “Que servirá a um homem ganhar o mundo inteiro, se vem a prejudicar a sua vida?” (Mateus 16,26). 

De fato, ao sacerdote verdadeiramente ortodoxo, valerá mais manter sua Tradição do que qualquer convenção social. O sacerdote que questiona qualquer tradição da Igreja deve questionar-se primeiro se ele de fato entende o que é a Igreja, o que é ortodoxia, o que é ser ortodoxo e quem ele é como membro sagradamente ordenado para celebrar os Santos Sacramentos e anunciar o Evangelho.

Portanto, não se trata de um “tradicionalismo” vazio. Aliás, diga-se de passagem, elementos sem sentido ou descartáveis não têm lugar na Igreja Sirian Ortodoxa. Em outras palavras, se está na Igreja é Tradição, logo, é importante, e se é importante, deve ser vivido por todo sacerdote que se preze.


Fonte: The orthodox voices: Beards in the Syriac Christian Tradition

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